Em Spinoza essas duas figuras, apesar de opostas, andam próximas: unidas pela impotência. O soberbo é aquele que tem de si uma opinião acima da justa, daí que ele ama aduladores e bajuladores, esforça-se para conservá-los pois são estes que o faz acreditar que são aquilo que não são. O soberbo sabe que não tem a potência que imagina ter, sabe antes de tudo que sem os bajuladores ele não seria nada, daí ele odeia e inveja os virtuosos.
O rebaixamento é um afeto de tristeza que surge de se sentir inferior aos demais. Assim como o soberbo, o rebaixado mede sua impotência a partir da potência ou da virtude dos outros homens e assim são, também, facilmente propensos à inveja. Como forma de atenuar a própria impotência o rebaixado tende a imaginar que suas desgraças são comuns aos outros homens ou são derivadas de situações das quais ele nada pode fazer a respeito, tornam-se vítimas de si mesmos, prisioneiros da própria mente que se imagina sempre inferior às demais.
Contudo, há uma grande diferença, como a soberba é derivada de um afeto de alegria, esta é mais difícil de ser superada. Na linguagem cotidiana o soberbo, não muito raro, é aquela pessoa bem chata e insuportável à maioria de nós, já o rebaixado é aquele que está sempre na posição de vítima ou encontrando subterfúgios para justificar sua própria impotência que é julgada e avaliada a partir da virtude dos outros.
Apesar de a soberba derivar de um afeto de alegria, enquanto excitação excessiva que fixa a ideia em um objeto (a imagem elevada de si), e o rebaixamento derivar de um afeto de tristeza, ambas são figuras muito comuns e produzidas em série pelo modo capitalístico de existir. Um homem de posses é bajulado e se excita com a alegria advinda de uma imagem poderosa de si em todos os aspectos e da qual ele se alimenta cada vez mais; um homem desprovido das últimas novidades do mercado pode se sentir inferior aos demais e se enredar nas mais diversas formas de culpa e lamentações à medida que julga sua impotência pela possível potência ofertada – ambos estão separados da própria natureza, daquilo que realmente são, e, portanto, não passam de impotentes, cada um conservando uma maneira de atenuar a própria falta.
Enquanto um se esforça para mostrar aquilo que não tem (ter posses não significa ter tesão de existir) e precisa rebaixar (odiar) os que têm como forma de se sentir superior, o outro se esforça para ocultar aquilo que não tem diante daqueles que têm como tentativa de se igualar e, do mesmo modo, através do rebaixamento do outro a uma categoria comum. Oh, somos todos desgraçados, lamenta o impotente. Ah, os outros é que não prestam, glorifica o soberbo.
O soberbo ama a presença dos parasitas ou dos aduladores, enquanto odeia a dos nobres. SPINOZA, B. Ética, IV, Prop. 57
Arte: A inveja. BOSCH (séc. XV)