Filosofia Psicologia

Quem tem medo do inconsciente? O desejo não é parricida nem incestuoso

Ocean, Ivan Aivazovsky
Adriel Dutra
Escrito por Adriel Dutra

Arrebentamos as arestas do triângulo para se reencontrar com aquilo que nos foi roubado de berço: fluxos e produções intensivas que não podem ser codificadas a partir de um triângulo amoroso. Reencontramos a bela vizinha e seu decote que deixava a vista parte de uma manchinha que se seguia pela linha que gostaríamos de nos perder e descer até suas pernas majestosas para nos fundir. Reencontramos nossa professora, falando de coisas tediosas e enfadonhas em uma voz melodiosa que fazia as moléculas do nosso corpo se desmanchar. Reencontramos com animais ferozes através de pesadelos que os adultos tratavam logo de usá-los para nos disciplinar. Reencontramos com o babaca do chefe do nosso primeiro emprego se gabando de ter começado como faxineiro, era de desacreditar no mundo. Fantasmas afetivos de papai e mamãe? Não, eram nossos corpos velejando nos fluxos do mundo, ora nos fazendo querer se ConFundir (ver ConFundidos) com os seios da vizinha, ora nos enovelando em uma náusea quando o chefe gabador vinha vomitar os conselhos do sucesso, ora nos fazendo delirar sobre botas e gatos e estrelas e cachorros e latas e panteras negras e cor-de-rosa e umbigos terríveis de se mexer e muitos beijos ousados que queríamos acontecer. Encontros entre corpos e mundos geram miríades de sensações e afetos que nos produzem. Somos todos bricoleurs, transmudamos incessantemente à medida que somos agitados nessa usina de produção e criação que é o inconsciente, ou se preferir, a própria substância espinozana da qual somos parte manifestando-se em nós, ou se preferir, vontade de potência, ou se preferir… qualquer coisa que não lhe prenda no mundo moldado em um triângulo que nos agita com ciúmes, amor, ódio, posse e joguinhos de fort-da¹, qualquer coisa que não o faça querer seguir por um Fio de Ariadne para produzir interpretoses de si a partir de restos e fragmentos das primeiras experiências marcadas em nós.


Muitos já disseram sobre o inconsciente antes de Freud. Não é um inconsciente o que Spinoza chama de Natureza? É possível pensar em um inconsciente em Nietzsche, um mar de forças a-significantes. Deleuze & Guattari falam de um inconsciente maquínico, uma usina de produção. Seguiremos por essas linhas para contrapor ao inconsciente de Freud.

Freud mergulhou no inconsciente como um domador entra na jaula de um animal selvagem. É preciso dizer, Freud tem medo do inconsciente. Para o pai da psicanálise o homem é o lobo do homem, ora, o que esperar de um inconsciente vindo de quem pensa assim? Algo aterrador… de tal modo que é preciso decifrar, interpretar, estruturar para que possamos sublimar as pulsões e controlar os lobos, caso contrário a civilização encontraria seu fim. Apesar da sofisticação teórica da psicanálise, nós já ouvimos algo parecido. O padre também precisa castrar o homem de tudo aquilo que representa o desconhecido.

O que esperar de um real produzido por um inconsciente assim? Tudo isso implica em uma visão de mundo, vida e homem com a marca da reatividade, assim como um desejo pensado enquanto falta. Por isso desconfiamos e queremos buscar um inconsciente onde possamos mergulhar em suas águas profundas e caóticas, ainda que tenha seus perigos, para arrancar de lá o barro da criação. Queremos liberar o inconsciente institucionalizado, personológico e privatizado da psicanálise, onde tudo termina em conflito de família, para que possamos deixar de amaldiçoar o que não compreendemos. Queremos falar de um inconsciente e de um desejo que não são parricidas nem incestuosos, mas radicalmente inocentes.

Freud foi importante, de alguma maneira causou impacto na austeridade de uma medicina biológica quando trouxe o conceito de pulsão enquanto algo da ordem intensiva, a partir daí ele tratou de institucionalizar e privatizar cada vez mais um inconsciente psicanalítico, estruturando-o a partir do complexo de Édipo. Recusamos o inconsciente que a psicanálise colonizou porque ele não tem nada a ver com os nossos conflitos pessoais, nossos delírios antropomórficos, nossos giros em torno do significante. O inconsciente é a própria força da vida. Não há segredo para descobrir nas profundezas, o mais profundo é a pele (Paul Valéry). No plano do inconsciente há fluxos que podem se encarnar em nós, por assim dizer, e gerar bons ou maus encontros, vidas afirmativas ou destrutivas. Dá para pensar em cartografias para encontrar terrenos, climas, ritornelos onde a possibilidade de um bom encontro é maior, mas jamais uma metalinguagem capaz de interpretar o que escapa por toda parte.

Sem meias palavras, Freud esmagou a produção intensiva do inconsciente sob um triângulo familiar. Isso é terrível, pois nessa concepção deixamos de ser produção para sermos produtos. É verdade que não podemos compreender o século XX em diante sem passar por Freud, mas não contemos o riso quando se fala que o inconsciente é parricida e incestuoso, não podia ter dito algo um pouco diferente do confessionário? Agradecemos ao Sigmund por ter endossado o inconsciente no meio científico, mas queremos seguir ventos mais revigorantes que possam nos ajudar a se reencontrar com um inconsciente do qual não devemos temê-lo, mas afirmá-lo.

Se falamos em libertar o inconsciente confiscado pela psicanálise é porque queremos reencontrar com um inconsciente que é a própria potência da vida. Não mais um inconsciente que pertence ao humano, mas um inconsciente que também se manifesta em nós e em todo movimento vital.

É que se persiste em tratar a família como uma matriz, ou melhor, como um microcosmo, um meio expressivo valendo por si mesmo, e que, tão capaz quanto seja de exprimir a ação das forças alienantes, mediatiza essas forças precisamente ao suprimir as verdadeiras categorias de produção nas máquinas do desejo. DELEUZE & GUATTARI, O Anti-Édipo. Ed. 34.

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DESEJO E INCONSCIENTE

Tanto o desejo quanto o inconsciente estão inscritos, sobretudo pela psicanálise clássica de Freud e as demais, estruturalistas, como a de Lacan, no registro do produto. Quando invertemos o registro para a produção o desejo deixa de ser constituído pela falta (ver Nada falta ao desejo) e o inconsciente deixa de ser reativo para ser ativo ou uma usina de produção nas palavras de Deleuze & Guattari (O Anti-Édipo). Nós não temos que procurar por uma metalinguagem para se comunicar com o inconsciente, ele está se manifestando incessantemente na vida.

A psicanálise nos levou a crer que o que é inconsciente não existe. Para perceber sua existência é preciso procurá-lo com muito cuidado, MUITO longamente e por meios quase mágicos. Logo, ele está muito bem escondido. J.A.GAIARSA, Tratado Geral sobre a Fofoca

Redefinir o inconsciente como produção implica em uma série de redefinições. Aqui, já tornamos impossível falar em uma instância chamada inconsciente, tanto individual como coletivo (Jung). Já não nos reduzimos mais a um Eu que deseja algo que falta, pois somos a própria produção daquilo que deseja em nós. Somos mais que meras biografias reduzidas a uma história pessoal concatenada em família. Sequer a vida pode ser conjugada em verbos pessoais, somos virtualidades que só podem se conjugar no infinitivo. Deixamos de andar com os pés atolados no barro do Ser para nadar nos fluxos do Devir, e tanto mais encontros com o mundo e com as coisas, tanto mais viajantes e companheiros de existência vamos encontrando pelos caminhos que enveredamos, mais ativa é a produção inconsciente. Em outras palavras, maiores serão as expressões da vida – agir, pensar, sentir, amar, perceber, caminhar… – em nós.

A vida é impessoal, somos parte da produção e não protagonistas; somos uma dada relação de forças produzidas no tempo (ver O homem como forma a ser superada). Uma vida enquanto algo impessoal é uma das coisas mais belas que pode nos acontecer quando compreendemos a melodia espinozana. Para sentir essa beleza tocar em nós é fundamental pensarmos fora das maldições do inconsciente psicológico de Freud ou como o pensado pela tradição filosófica que encontra em Schopenhauer um demônio-criador que nos interpela: Como te atreves a perturbar o sagrado repouso do nada, para criares este mundo de angústia e de dores? – Freud bebeu muito dessas águas para criar seus conceitos de inconsciente e desejo, consequentemente criando imagens da própria vida e do homem que refletem na voz desse demônio-criador.

(…) o inconsciente da esquizoanálise ignora as pessoas, os conjuntos e as leis; as imagens, as estruturas e os símbolos. Ele é órfão, assim como é anarquista e ateu. DELEUZE & GUATTARI, O Anti-Édipo. Ed. 34.

Um inconsciente enquanto produção também implica na redefinição do desejo. Se o inconsciente, berçário do desejo, é maldito, este só pode nascer amaldiçoado. O desejo em Freud é parricida e incestuoso, mas nós afirmamos, assim como o inconsciente, que o desejo é inocente e não precisa de algum objeto para se satisfazer, ele produz seus próprios objetos. O primeiro crime contra a vida, lançado pelo padre e reforçado pela psicanálise e reiterado constantemente na produção de subjetividade capitalística, é amaldiçoar o desejo – a produção da vida. Já nascemos culpados e marcados pelo negativo. Assim o desejo precisa ser castrado, daí que só pode resultar em subjetividades marcadas pela impotência, vidas reprimidas e sem intensidades.

As pulsões ou os instintos (pouco importa a distinção aqui) precisam ser ordenados, castrados de suas intensidades para serem expressos em representações egoicas, familiares, sociais, como um estofo sem vida, pois tudo isso é canalizado para manter a produção capitalista a qualquer custo. Temos na neurose o nosso modo mais sadio de viver (ver Acreditar neste mundo e nesta vida). Desde crianças nossa expressividade espontânea é esmagada e castrada em nome de normalizações de vida. Mas o que o desejo quer é expandir a vida, conectar-se, produzir.

O desejo não é algo vergonhoso e secreto, ele permeia todo o campo social, tanto em práticas cotidianas como em grandes projetos. Todas as formas de viver, de criar, de amar, de sentir, de pensar, de percepções e invenções de sociedades, tudo está permeado pelo desejo. Então não há porque dividir a vida entre realidade e prazer, falta e preenchimento, toda essa ocultação do desejo como se ele fosse perigoso e precisasse ser castrado. Tudo isso gera climas de culpabilização e ressentimento fazendo com que nós só possamos expressar aquilo que somos numa espécie de clandestinidade.

Reatividade demais só pode resultar em egos fechados em si mesmos, homenzinhos que carregam o fardo de uma vida pessoal e queixosa ávidos por julgar tudo que é diferente e incompreensível, chafurdados por desejos de poder e de interpretação de si e das coisas cujas supostas respostas estariam envoltas por um misticismo sexual ou significante, encontrando nas finalidades psicológicas a própria imagem do mundo e da vida.

O INCONSCIENTE É UMA USINA DE PRODUÇÃO

No lugar de ares tão reativos podemos reencontrar com um inconsciente ativo. Uma usina de produção e criação de vida incessante. Um inconsciente que não se deixa reduzir aos códigos, pois é múltiplo e escapa a qualquer sistema de linguagem. É fluxo que extravasa e escapa o tempo inteiro a qualquer tentativa de captura. Por fim, esse inconsciente confunde-se com a própria produção da vida e é também vontade de potência. Podemos encontrá-lo em Nietzsche como um

(…) um mar de forças tempestuando e ondulando em si próprias, eternamente mudando, eternamente recorrentes; com descomunais anos de retorno, com uma vazante e enchente de suas configurações, partindo das mais simples às mais múltiplas, do mais quieto, mais rígido, mais frio, ao mais ardente, mais selvagem, mais contraditório consigo mesmo; e depois outra vez voltando da plenitude ao simples, do jogo de contradições de volta ao prazer da consonância, afirmando ainda a si próprio, nessa igualdade de suas trilhas e anos; abençoando a si próprio como Aquilo que eternamente tem de retornar, como um vir-a-ser que não conhece nenhuma saciedade, nenhum fastio, nenhum cansaço – esse meu mundo dionisíaco do eternamente-criar-a-si-próprio, do eternamente-destruir-a-si-próprio, esse mundo secreto da dupla volúpia, esse meu “para além de bem e mal”, sem alvo, se na felicidade do círculo não está um alvo, sem vontade, se um anel não tem boa vontade consigo mesmo -, quereis um nome para esse mundo? Uma solução para todos os seus enigmas? Uma luz também para vós, vós, os mais escondidos, os mais fortes, os mais intrépidos, os mais da meia-noite? – Esse mundo é a vontade de potência – e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de potência – e nada além disso! – NIETZSCHE, F. Obras incompletas. Ed. Abril.

Em Nietzsche são as forças inconscientes que estão no comando o tempo todo, não se trata de fazer repartições do que é consciente ou inconsciente, mas perceber que forças estão sendo mais predominantes em nós, as ativas ou as reativas. Nós temos que parir os nossos pensamentos do nosso sangue, das nossas vísceras, do nosso corpo. O pensamento vem à cabeça a partir dos encontros com o mundo, à medida que afeto e sou afetado com os outros corpos (ver A consciência é uma doença). Não temos um “Eu” que pensa em nós, ou melhor, essa instância é um fantasma produzido e colado em nós a partir da linguagem. Não mais precisamos de instâncias consciente ou pré-consciente quando viver são expressões de uma produção inconsciente.

Inconsciente povoado de fantasmas

Inconsciente povoado de fantasmas

O que chamamos de “consciente” é só a ínfima parte do que se manifesta, o mais superficial, nossos modos de expressão pela palavra cotidiana, nosso mundinho governado pelo euzinho ferido narcisicamente, o teatro familiar cujo enredo não para de se repetir, em outras palavras, a consciência é a captura de parte dos fluxos que então passam a ser fixados em representações. Um mundo de fantasmas, pois enquanto a consciência nos domina vamos sendo arrastados por um ser sempre atolado no passado ou adiantado no futuro. Encontrar modos de fluir no devir só se for através de um inconsciente enquanto produção.

Assim como é a liberdade para Spinoza, queremos dizer que a consciência também é uma sensação de ignorância, a ignorância de que temos o controle de nossas vidas. Não se trata de negar esse mundo da memória, das representações, dos hábitos, da linguagem, do ser, enfim, de tudo isso que em nós está presente. Nós não conseguiríamos nos comunicar uns com os outros e nos organizar em sociedade sem tudo isso, mas trata-se de ir além de uma tradição de pensamento que fez da parte consciente, racional, reflexiva etc., a nossa parte central e amaldiçoou um corpo enquanto matéria orgânica que não pensa (ver Pensamento representativo, corpo, forças). Fez mais, dotou-o de instintos ou pulsões relegadas a forças caóticas que se não controladas nos levariam à desordem. Ora, quem disse que o caos é desordem? O caos não é desordem, a gente chama de caos aquilo que não segue a ordem que gostaríamos ou aquilo que não compreendemos, é só uma produção psicológica.

Imagens, nada mais que imagens. O que fica no final é um teatro íntimo e familiar, o teatro do homem privado, que não é mais nem produção desejante nem representação objetiva. O inconsciente como cena. Todo um teatro posto no lugar da produção, e que a desfigura ainda mais do que podiam fazê-lo a tragédia e o mito reduzidos aos seus únicos recursos antigos. DELEUZE & GUATTARI, O Anti-Édipo. Ed. 34.

Passam intensidades no inconsciente psicanalítico, mas elas precisam ser domesticadas, daí que entra a máquina familiar de esmagar a produção intensiva do desejo. Tendo no complexo de Édipo um estruturante, toda nossa subjetividade está triangulada (pai-mãe-filho), todo devir será capturado em ser no seio da família. É verdade que Édipo está presente na própria produção capitalista de vida – a psicanálise apenas reforça tudo isso -, mas podemos mais que isso.

A infância, o adulto, os sonhos, a loucura, os cotidianos, os delírios, as semióticas sociais primitivas e modernas, tudo supõe um inconsciente maquínico funcionando por agenciamentos, elaborações que não se reduzem a uma metalinguagem para interpretar, dirigir, normalizar, ordenar. Não há universais ou essências malévolas no inconsciente ou no desejo. O inconsciente produtivo não é dotado de energias indiferenciadas, em desordem perigosa (como o é para o nosso psicológico), essa energia é produtiva, implicando um desejo também produtivo. A criança nasce e vai explorar o mundo, ela é produtora e criativa, é a partir das modelizações em sociedade que o desejo vai sendo conduzido às instâncias castradoras, tornando-o uma força que precisa ser controlada, a sociedade tem pavor da matéria intensiva. Dentro desse contexto o desejo passa a operar segundo intenções e finalidades, é onde sua força produtora se contamina com o negativo. A falta, a culpa, todo tipo de maldição lançada sobre o inconsciente e o desejo são produzidas em sociedade, e não a essência do que somos (ver Falta e culpa na sociedade do espetáculo).

Partimos em busca de uma realidade mais móvel e aberta, em busca da intensidade que nos fora roubada a partir das modelizações de um sistema produtor de subjetividades achatadas pelas instituições, pelas identidades e todo tipo de estrutura reducionista que esse inconsciente reativo, produzido pelo capitalismo e reforçado pela psicanálise, se acumulou em nós. Afirmar um inconsciente enquanto usina de produção é estar lançado em uma vida que está sendo produzida e criada à medida que afetamos e somos afetados.

O que encontramos em Freud senão um mundo sociocultural já produzido através de intensidades renunciadas? É verdade, não é um já pronto, o triângulo comporta um certo espaço de segregação, o teatro pode repetir inúmeras peças representadas por fantasmas que não param de trocar figurinos feitos com os restos da infância. Mas o que é esse teatrinho interno diante de um mar de forças que nos agita incessantemente?

Quando abandonamos esse inconsciente que esmaga a vida porque institucionaliza as forças nós não abandonamos o mundo do ser, mas fazemos mais que isso, passamos a nos permitir se aventurar nesse Fora de forças caóticas em constante movimento, o inconsciente ativo. Somos lançados em uma vida e em um mundo de produção que escapa a qualquer estrutura reducionista, aprendemos a estremecer o sujeito para nos despersonalizar enquanto um despir dos papeis e das identidades que colaram em nós, aprendemos a dispersar as palavras dos discursos dominantes e rompemos a cadeia do significante-significado, desse inconsciente enquanto usina de produção podemos devir como planta, animal, mineral, mulher, índio, criança, poeta, devimos minorias de todos os tipos. E já não somos mais os mesmos, já não somos e já não olhamos nem sentimos as coisas e os outros enquanto identidades, somos relações de forças sendo produzidas no tempo que em contato com outras forças querem se compor para aumentar a potência de existir. Nosso amor já é outro, é o amor de encontrar-se com forças que possam vibrar com as nossas e produzir a inocência intensiva.

O inconsciente não é um teatro mas uma fábrica, uma máquina de produzir; o inconsciente não delira sobre papai e mamãe, ele delira sobre as raças, as tribos, os continentes, sempre um campo social. Buscávamos uma concepção imanente, uma utilização imanente das sínteses do inconsciente, um produtivismo ou construtivismo do inconsciente. Então nos apercebíamos que a psicanálise jamais havia compreendido o que queria dizer um artigo indefinido (uma criança…) um devir (os devires animais, as relações com o animal), um desejo, um enunciado. A psicanálise nos parecia um fantástico empreendimento para arrastar o desejo a impasses, e para impedir as pessoas de dizer o que tinham a dizer! Era um empreendimento contra à vida, um canto de morte, lei e castração, uma sede de transcendência, um sacerdócio. (DELEUZE, G. Conversações. Ed. 34)


1. “Sumiu-achou” (tradução literal). Refere-se a um jogo de carretel que Freud usou para caracterizar a recuperação da ausência da mãe através do jogo. Simbolicamente representa a maneiras dos jogos relacionais funcionarem.

Ilustração: Ocean, Ivan Aivazovsky.

 

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Sobre o autor

Adriel Dutra

Adriel Dutra

Antes de tudo é formado pelos amores e desamores que vive, pelos livros, músicas e arte marginais, mas também psicólogo, filósofo, escritor de trechos errantes. Tem como hobbie ficar observando detalhes que ninguém costuma ver e fotografar coisas que ninguém quer ver.