A vida não é livre, não há espaços sem regras. A vida é norma, é regra, é regulação, constante movimento de adequar o caos à ordem, ao previsível. Mas nada disso é natural, é cultural. Por isso Pierre Bourdieu entende que a estrutura social se modifica conforme a sociedade e que todos os valores ditos como naturais ou absolutos são, na verdade, maneiras dos grupos dominantes imporem seus valores ao todo social.
Talvez essa seja a graça da sociologia. Em vez de permitir que o sociólogo se considere acima daquilo que é analisado, ela o obriga a se colocar em análise. Não há como encontrar no outro um aspecto de alienação que não esteja incluído no próprio analista, já que ambos são só partes de uma mesma sociedade.
Segundo Bourdieu, a estrutura social pode ser descrita em um gráfico de capital cultural contra capital econômico (ele estudou a sociedade francesa, mas este modelo é mais ou menos aplicável em todo ocidente). O capital econômico é definido a partir das riquezas acumuladas pelo sujeito, enquanto o capital cultural é definido a partir dos bens culturais consumidos ou acumulados (como peças de teatro assistidas, diplomas universitários, quadros e esculturas adquiridas).
É a quantidade de capital acumulado total que irá definir a posição social do agente. No entanto, o agente social não pode fazer o que quer. Na verdade, o agente social é construído socialmente – para Bourdieu, é isso que interessa à sociologia, as coisas que são socialmente fabricadas -, desta forma, ele é constituído pelas estruturas que o colocam em sua posição social. O nome da adequação do comportamento individual à estrutura social é habitus.
O habitus é o sistema de disposições práticas que possibilita uma prática em um dado momento. São “esquemas geradores de classificações e de práticas classificáveis que funcionam na prática sem chegar à representação explícita, e que são o produto da incorporação, sob a forma de disposições, duma posição diferencial no espaço social” [Bourdieu, Estruturas Sociais e Estruturas Mentais].
A sociologia de Bourdieu assume a responsabilidade de quebrar de dicotomias. É importante ressaltar que o sociólogo francês se esforçou para destruir as falsas dicotomias como subjetivo e objetivo. Ao perceber que o subjetivo é uma incorporação do objetivo e que o objetivo precisa da reprodução praticada pelo subjetivo, então não faz mais sentido separá-los.
É por isso que a cumplicidade do dominado com o dominante não é descrita como alienação daquele, mas sim como violência simbólica deste. Como na Dominação Masculina, em que Bourdieu descreve as formas de violência simbólica em que os homens submetem as mulheres. “Sob a forma de esquemas inconscientes de percepção e de apreciação as estruturas históricas da ordem masculina” são incorporadas, explica Bourdieu.
É claro que o determinismo social de Bourdieu não parece com o determinismo mecânico do século XVII. A figura ao lado está errada. Na verdade, não há um determinismo propriamente dito, pois suas análises são sempre baseadas em dados estatísticos. Existe a possibilidade estatística, às vezes certa e às vezes duvidosa, de uma dada prática.
O título deste artigo é proposital: o que é determinismo social? Se levarmos em consideração que a análise bourdiana não liga uma condição a uma prática de maneira absoluta, então não há como haver determinismo social. Mas, não se deixe enganar, Bourdieu não acha que os agentes sociais são livres para fazer o que querem. Que tipo de determinismo é esse? Com certeza estamos lidando com um autor que soube se desfazer dos pressupostos ontológicos puramente deterministas ao mesmo tempo em que se livrou de qualquer individualismo metodológico. Como isso? A fusão do subjetivo com o objetivo, por meio da noção de incorporação das estruturas sociais (que se transformam em estruturas mentais) pode ser a resposta.