A criança persiste no adulto. Está presente enquanto virtualidade. Não iremos nos tornar infantil, voltar a ser criança ou passar a imitá-la. O devir-criança nos abre para uma dimensão inventiva, fazendo com que criamos outras alianças, outros regimes e territórios que possam vir a ser constituídos. É o que costuma desconsiderar a psicanálise na análise da criança.
O que dizem as crianças?
A criança não para de dizer o que faz ou tenta fazer: explorar os meios, por trajetos dinâmicos, e traçar o mapa correspondente. Os mapas dos trajetos são essenciais à atividade psíquica. O que o pequeno Hans reivindica é sair do apartamento familiar para passar a noite na vizinha e regressar na manhã seguinte: o imóvel como meio. Ou então: sair do imóvel para ir ao restaurante encontrar a menininha rica, passando pelo entreposto de cavalos: a rua como meio.
Crítica e Clínica, “O que dizem as crianças”. DELEUZE, G.
Para que o pequeno Hans não seja encerrado no seio de uma família devemos entender que o “meio” não equivale ao “ambiente” composto por formas e objetos como costuma definir a psicologia. O meio é molecular, com fluxos materiais, forças, partículas – aquém da percepção das formas. Percorre-se esse meio por “trajetos dinâmicos” e “traçando mapas correspondentes”, a criança cartografa o “ambiente”, um ambiente que transborda o mundo dos objetos, da família, das formas e dos adultos.