“Não se deve querer arrebatar do mundo seu caráter inquietante e enigmático”. – F. NIETZSCHE
Escondemos o encantamento da existência sob o manto lógico da linguagem. Matamos o mundo diariamente através dos axiomas da comunicação. Quem hoje em dia é capaz de se endoidecer com um copo d´agua? Sob a égide do significado que se quer passar como interlocutor preciso da vida o encantamento é reduzido à massificação da indústria de comunicação.
A articulação do pensamento em palavras é o que há de mais superficial em nós. Nós nos esquecemos que um mundo de sensibilidades, um mundo infinitesimal, um corpo onde moléculas se entre-chocam, um mundo de intensidades e velocidades nos constitui muito antes da palavra.
Tagarelas e verborrágicos que somos, tendemos a reduzir a vida à linguagem. Tudo passa a ter um nome e uma utilidade no mundo, mas por trás de tudo isso houve e há relações de forças que constituíram o mundo tal como vemos hoje. Não se trata de negar a linguagem, mas quando alguém apontar para um brilho que desponta na escuridão de um céu indiferente e dizer que aquilo é uma estrela, não se apegue ao nome, mas tente tocá-la com o corpo.
O papel de parede com que os homens de ciência cobriram o mundo da realidade está caindo aos pedaços. O grande prostíbulo em que eles transformaram a vida não exige decoração; é essencial apenas que o esgoto funcione convenientemente. A beleza, aquela beleza felina que na América nos segura pelos testículos, está acabada. Para compreender a nova realidade é necessário primeiro desmantelar o esgoto, abrir os canos gangrenados de que se compõe o sistema gênito-urinário que fornece os excretes da arte. – HENRY MILLER, Trópico de Câncer