Tudo o que muda a vida vem quieto no escuro sem preparos de avisar. – João Guimarães Rosa
Mudar de vida? Falar que estamos em constante mudança está bem cotado no mercado das relações pessoais. Entretanto, aquilo que pensamos ser – nossas características e modos de agir diante das circunstâncias – é muito mais caracterizado por padrões do que mudanças.
A vida não é estática, quer você queira quer não, ela está em movimento. No nível microscópico nada é inerte, nem mesmo a pedra. Então por que a mudança é algo que, para mais ou para menos, é difícil para todos nós?
Por mais que saibamos sobre aquilo que nos perturba e traçamos roteiros para mudar, a simples tomada de consciência é pouco eficaz. A vontade não é o suficiente para mudar. Afinal, o que precisamos para mudar? – Além de ser uma resposta que só pode ser individual, acredito ser complexa demais para ser abarcada em respostas, e algo do tipo estaria mais próximo da autoajuda, nada contra, mas entendo ser uma espécie de conhecimento infantil sobre o mundo, digamos, uma fase de pensar as coisas.
Apesar do caráter complexo e singular, algo me chama atenção nas pessoas que querem mudar e reclamam que não conseguem. Elas se esforçam, e muito, na tentativa de mudar um comportamento, e apesar do esforço parece que tudo retorna aos mesmos padrões comportamentais. O que parece ser comum é que elas parecem lutar contra si mesmo. É importante perceber isso.
NÃO É PRECISO FAZER NADA PARA MUDAR!
Calma, a frase é para estar na contramão mesmo. É preciso atravessar a semântica. Não fazer nada não pode ser compreendido aqui como ficar parado ou abdicar-se do movimento. Em linguagem direta seria: pare de lutar contra si mesmo.
O problema de lutar contra si mesmo para mudar é que vamos perder, inevitavelmente, toda disputa, digamos, contra os nossos demônios! “Nós somos nosso pior inimigo”, já escutei isso e tem um fundo de verdade, isso porque estamos dialogando o tempo inteiro com aquilo que esperam de nós e não com aquilo que realmente somos, e tendemos a nos definir a partir da opinião dominante sobre o que é qualificado ou não. Como sempre haverá descompasso entre aquilo que somos e aquilo que é considerado qualificador para a vida o sofrimento é inevitável.
Por mais que o indivíduo diga que não está nem aí para o que pensam sobre ele, ele não está imune ao olhar do outro, aliás, só o fato de “precisar dizer” esse clichê típico de nossa época já demonstra que ele é sensível ao que o outro pensa sobre ele, do contrário não se preocuparia em dizer.
Aceitar o destino
Daí que um bom passo quando queremos mudar é aceitar o nosso destino, se preferir, aquilo que somos, se preferir ainda mais, autoaceitação, se quiser sofisticar com um termo filosófico: amor fati. Mas é importante não confundir destino como sendo o mesmo que fatalidade. Assim como aceitar a si mesmo é algo que exige muita compreensão, por assim dizer, muito movimento reflexivo.
Fatalidade é algo passivo e determinado, algo negativo. Já o destino podemos tomar como o próprio processo da vida, é uma compreensão que se supõe, em geral, que as coisas venham a ser como são e os acontecimentos ocorrem como se dão, o destino pode ser bom ou ruim e aí é que vem a força ativa do processo, vai depender de como nos lançamos ao nosso próprio destino. Fatalidade é fazer de um trauma uma justificativa de si, destino é reconhecer o trauma sem negar o protagonismo de sua própria história com tudo aquilo que lhe coube.
Aceitar o nosso destino e aceitar aquilo que somos. – Acho de uma beleza e potência incríveis!
Mas não pense que é fácil. O mais comum é as pessoas compreenderem esses pensamentos pelo viés negativo da fatalidade, o que é um grande equívoco. Nós fomos ensinados desde pequenos que lutar é algo muito bom, o próprio capitalismo se sustenta pela crença de que o indivíduo precisa lutar para conseguir uma boa posição social. A posição de vítima também é extremamente valorizada, Jesus Cristo é mais lembrado pelo seu sofrimento do que por outra coisa.
Lutar pode ser bom, mas não façamos disso um valor superior. Lutar contra si apenas irá nos emaranhar mais ainda em nossa bagunça subjetiva, como o animal capturado por uma rede que tende a se enroscar ainda mais enquanto se debate. A luta consigo mesmo é extremamente autodestrutiva e extenuante, consome toda energia que precisaríamos para mudar, de modo que ficamos presos e esgotados em um círculo vicioso.
Lembro que, à época do terrível tsunami que devastou o Japão em 2011, um jornalista, espantado, tentava compreender a reação mais reservada do japonês diante da situação, em resposta veio algo como “estamos poupando nossas energias, pois vamos precisar para reconstruir o Japão”. Foi uma das coisas mais belas de que nunca me esqueci. Não se trata de rigidez, como nós ocidentais costumamos nos referir, equivocadamente, aos orientais, foi uma resposta de lucidez e sabedoria ímpares quanto à aceitação do destino.
Abraçar o destino e abraçar aquilo que nos tornamos
Em síntese, quando queremos mudar a aceitação de si é fundamental. Não fazer nada como pressuposto para a mudança passa pela compreensão de que travar uma luta contra si vai nos remeter aos mesmos padrões de sofrimento, pois isso irá esgotar as energias que iremos precisar para a mudança. A mudança acontece naturalmente e espontaneamente, desde que tenhamos energia disponível. Se você preferir pode chamar a energia de potência, potência de existir, tesão de existir… você sabe o que é isso, e não é somente uma ideia…