O medo, para Bauman, é um objeto de estudo sociológico, pois o medo é fabricado, inculcado, construído e instalado no sujeito. A questão do medo penetra a realidade social na medida em que o Estado deixa de ser, num dado momento do século XX, o garantidor da segurança social, da garantia da existência digna e passa a permitir que serviços de proteção individual ganhem espaço.
Quando os seguros desempregos são trocados por mais câmeras e policiais fortemente armados.
São três formas específicas de se observar o medo, segundo Zygmunt Bauman, sendo a primeira, resultado do perigo em relação ao corpo e às propriedades; já a segunda, se remete aos perigos de “natureza mais geral, ameaçando a durabilidade da ordem social e a confiabilidade nela, da qual depende a segurança do sustento (renda, emprego) ou mesmo da sobrevivência no caso de invalidez ou velhice”[1], ou seja, são parte da incerteza gerada pela incerteza econômica; já a terceira forma é relativa aos lugar de cada pessoa no mundo, sua identidade, sua forma de se reconhecer na sociedade, o perigo da exclusão.
Essas três formas são acionadas segundo gatilhos diferentes do medo: um que aparece quando o sujeito é posto sob uma situação que pode, no tempo imediato, por em risco suas vidas; o outro é um tipo de medo de segundo grau, afirma o sociólogo, um medo que não depende diretamente de uma ameaça presente. Este medo, chamado de secundário, pode ser visto como um “rastro de uma experiência passada de enfrentamento da ameaça direta – um resquício que sobrevive ao encontro e se torna um fator importante na modelagem da conduta humana mesmo que não haja mais uma ameaça direta à vida ou à integridade”[2].
Depois, Bauman se aproxima de Bourdieu, e classifica o medo secundário, aqui chamado de medo derivado de
uma estrutura mental estável que pode ser mais bem descrita como o sentimento de ser suscetível ao perigo; uma sensação de insegurança (o mundo está cheio de perigos que podem se abater sobre nós a qualquer momento com algum ou nenhum aviso) e vulnerabilidade (no caso de o perigo se concretizar, haverá pouca ou nenhuma chance de fugir ou de se defender com sucesso; o pressuposto da vulnerabilidade aos perigos depende mais da falta de confiança nas defesas disponíveis do que do volume ou da natureza das ameaças reais).[3]
Ou seja, uma pessoa que interioridade o medo em uma cultura diária de medo e perigos constantes, terá uma estrutura mental estável fabricada para lhe indicar locais de perigo em todos os cantos escuros da cidade, mas não só isso, lhe indica também o que fazer em relação ao perigo próximo e ao perigo distante, abaixando as possibilidades em se pensar sobre soluções para problemas distantes da mesma forma que diminui as possibilidade de relacionamentos a longo prazo, como o autor já citara em Amor Líquido[4].
São caminhos para se percorrer a vida sempre à crédito. A poupança já não é o paradigma do sujeito moderno, o novo sujeito líquido vive sem acreditar numa continuidade que dê sentido para o tempo e dinheiro (e medo, talvez) economizados ao longo do tempo. Uma mudança nos sentidos da segurança estatal pode seguir este mesmo fluxo do queria um “modelo da poupança” para o “modelo do crédito” (tomo a liberdade para usar esses termos, talvez inapropriados): o Estado, a partir de um dado momento no século XX, deixa de ser o guardião da segurança do sujeito no mundo, sua existência já não é mais assegurada pelo grande aparelho estatal que precisa mudar seu foco para a proteção contra o medo, de uma abordagem que mantinha responsabilidades com a segurança social, para um compromisso com a segurança individual.
O Estado, sendo assim, “‘rebaixa’ a luta contra os medos para o domínio da ‘política de vida’, dirigida e administrada individualmente, ao mesmo tempo em que adquire o suprimento de armas de combate no mercado de consumo”[5].
O mercado, assim, torna o medo uma fonte de mercadorias a serem consumidas, mercadorias essas que precisam de um sujeito com medo, criado para consumi-las, de preferência, eternamente. A função do mercado em relação aos medos é, portanto, ser protagonista na solução da proteção, ou seja, ter os equipamentos necessários para garantir a segurança individual, legada pelo Estado liberal, mas ser, também, a base de produção e a pressão de distribuição dos medos secundários, produzidos sobre sua necessidade de vender os equipamentos anteriormente citados.
Devemos entender que o medo econômico, relaciona à renda, à segurança de morar em um bairro calmo e ter um emprego estável, é produto da estrutura econômica capitalista, incerta, passível de demissão em massa, desde que seja necessário à garantia dos lucros. Já o medo relacionado à exclusão é pressionado pela catástrofe econômica produzida pelo capitalismo financeiro e industrial do século XXI.
Mas de que forma esses medos são expressos? Como a modernidade líquida lida com o mais medo de todos, o medo da morte? Essas dúvidas serão respondidas nos próximos artigos sobre o medo em Bauman.