Foi diante de um certo olhar quando descobri pela primeira vez um delicioso e assustador estremecimento de vida. E isso se repetiu outras tantas vezes, e desses olhares que tanto iluminavam meus dias, enchendo-me com a maior vontade de viver, também descobri que deles tudo poderia se eclipsar e encher a minha alma com a pior vontade de viver. Daí me advém dois principais modos de existir: um que me faz sentir completamente vivo, com uma voracidade lírica pela vida; outro que me faz seguir a lenta marcha do mundo, morno como um sobrevivente dia após dia pelas sarjetas fastidiosas do emprego e do salário e do pagamento das contas. Como esquecer algo que pode nos tirar ou devolver a vida instantaneamente? Nada disso é mais poético que político, desses dois modos de viver vem uma postura de vida mais ou menos potente para encarar os “pequenos” fascismos que se multiplicam nesses tempos. Tudo pode parecer uma questão pessoal e estética, mas desde que fui descobrindo os efeitos desses abalos de vida que “certos olhares” podem ocasionar em mim descobri o meu “para que” viver, e é me de uma obviedade irritante. Nunca sei que “olhar” me fará perder as estribeiras, mas sei que ele sempre será um olhar de mulher cujos encantos me deixam ardente pela vida, ainda que depois toda essa beleza possa vir a fazer em mim o mesmo que uma navalha costuma fazer quando na mão de uma criança.
Arte: Yves Thos