EM DEFESA DE BOURDIEU
Bourdieu recebeu muitas críticas de movimentos feministas que o acusaram de polarizar ainda mais as questões de gênero, de suavizar para os homens e até mesmo por ser um homem falando sobre dominação masculina. Acredito serem infundadas. Bourdieu é de uma elegância ímpar. Seus pensamentos tornam nossos olhares sobre o social, em todos os seus domínios – culturais, sociais, acadêmicos, cotidianos, etc. – muito mais apurados em perceber as relações de dominação, os jogos sociais e os troféus que estão em jogo.
Sabendo da dificuldade que se meteu ao tomar a dominação masculina para si enquanto estudo, o próprio autor, na conclusão do livro, faz alguns apontamentos dos riscos que correria. Ainda assim uma das maiores críticas ao autor é a de que ele teria ignorado o campo dos estudos feministas e não ter problematizado o gênero que é uma categoria muito importante dos estudos feministas. Nesse sentido, também é acusado de se colocar enquanto um intelectual dominante, reproduzindo a própria dominação masculina científica, a dialogar com suas próprias teorias sociológicas.
De fato Bourdieu utilizou-se das suas teorias sociológicas, sua obra “O Poder Simbólico” foi fundamental, no entanto, penso que são críticas que decorrem mais de um afã de disputa por um campo político do que outra coisa. Ora, é claro que um autor se utiliza de suas próprias bases teóricas, é o próprio movimento do pensamento. Além disso, Bourdieu não ignora as contribuições dos estudos feministas nem a categoria gênero, reconhece os movimentos feministas e a importância deles para colocar a questão em evidência política, a questão é que ele buscou apresentar a dominação masculina sob a perspectiva da violência simbólica, o que também não é desconsiderar a violência material sob suas diversas formas. O próprio autor faz essas pontuações de forma franca e clara.
Concordo que a dominação masculina faz dos homens, também, prisioneiros, o que não é de forma alguma querer deslocar o foco ou diminuir a questão, como Bourdieu foi acusado. Pelo contrário, é nos tornar mais perspicazes para compreender as maneiras extremamente engenhosas, sutis, invisíveis, sorrateiras… do poder dominante se manifestar. A dominação masculina implica todos em um estado de miséria sexual mantido por uma dada ordem. Não se trata de querer quantificar, é evidente que as mulheres são as que mais sofrem com a dominação masculina, mas também não se trata, jamais, de (des)qualificar um homem que adentra nessas questões enquanto “mais um macho falando sobre as mulheres”, comentário este que já ouvi, o que seria polarizar o feminismo no radicalismo do “ismo”.
Bourdieu nos abre um horizonte enorme, sua obra pode nos deixar estarrecidos e perplexos, dado os diversos ângulos que irão nos mostrar o que antes não percebíamos do quanto a dominação masculina é complexa e muito, mas muito presente em cada metro quadrado de espaço social.