Filosofia Sociopolíticos

Para além de uma política paranoica, por uma política imanente

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Desde 1789 sustentamos uma política paranoica, representativa, pautada em forças tirânicas, românticas e utópicas, esperamos por uma salvação através de uma gestão exterior! Que romantismo feio! Carregamos um estado em nós, é o que faz com que todos gritem por um governante, por mais leis e mais normas, por mais direitos, um modelo de agir e pensar que exige uma instância que nos governe por que se não for assim… o estado pensando em nós não admite pensar fora do modelo. Não importa o lado que você esteja, gritar pela esquerda ou pela direita é a distração principal para fortalecer os acumuladores, de capital, de poder, de morte. Por um pouco de ar fresco fora das discussões paranoicas de política, por uma política que seja imanente à vida.


Perambulamos pela escuridão,
enquanto somos devorados pelo fogo.
GUY DÉBORD

Após 1789, para situar uma data mais recente na história, os olhares se voltaram para as disputas de interesses entre classes. O marxismo se ocupou de nos mostrar como esse mundo funcionava. Mas Marx nunca percebeu o próprio burguês e o estado nele mesmo. Não se trata de culpá-lo, afinal, quem de nós está em condições de dizer que não é burguês? Somos burgueses, anos e anos nos talharam em um modo burguês de ser.

Ser burguês não se restringe a uma questão de posses, de pertencimento a uma classe ou não. Tudo isso faz parte de um modo macropolítico de ver as coisas, mas quando vemos tudo em macro a gente oculta não só o nosso entorno como também a nós mesmos. Ser burguês engloba um certo modo de ser, de pensar, de sentir, de comunicar, de relacionar com os prazeres e com o corpo, de produzir saberes… de, principalmente, capturar os fluxos de desejo, domesticá-los, aprisionar o que não interessa e liberar o que interessa na forma de paranoia e neurose. Ser burguês começa pela nossa própria subjetividade.

Até a psicanálise seguiu por esses trilhos, não só como reforço de um modo neurótico de ser, mas também praticando a re-adaptação enquanto cura, e vamos mais longe, o que seria da psicanálise sem a subjetividade burguesa? – Oh! não teria mais-valia…

Eis nos lançados em um mundo aburguesado: somos burgueses, equipados com um estado dentro de nós, carregados de desejos por normas e leis como forma de controle de tudo que nos escapa (ver Autoritarismo, capitalismo e o defunto de Deus), fomos gordamente nutridos na família, na escola, no trabalho e nos diversos campos sociais com um certo modo fascista de ser e render amor ao poder (ver Introdução à vida não-fascista). Reconheçamo-nos nesse lamaçal, mas não paremos por aqui, nós que acreditamos em outros modos de vidas possíveis, além dessa bestialização massificante que rende amores ao capital, queremos desfazer o burguês em nós! Isso não acontece durante o amanhecer, são necessários tempo, paciência e muita coragem para destruir o que há de mais precioso em nós: as nossas confortantes verdades. A primeira tarefa que se impõe é começarmos por nós mesmos, e é sempre a mais difícil, ainda mais em tempos onde vestimos máscaras de sucesso enquanto o coração se sobrecarrega trabalhando para ocultar nossa insatisfação e construir a fachada, sempre provisória, com que iremos nos apresentar para obter reconhecimento.

“(…) é muito fácil ser antifascista no nível molar, sem ver o fascista que nós mesmos somos, que entretemos e nutrimos, que estimamos com moléculas pessoais e coletivas” (DELEUZE e GUATTARI, Mil Platôs vol.3)

Revolucionar o cotidiano, cotidianizar a revolução

Sobre o autor

Adriel Dutra

Adriel Dutra

Antes de tudo é formado pelos amores e desamores que vive, pelos livros, músicas e arte marginais, mas também psicólogo, filósofo, escritor de trechos errantes. Tem como hobbie ficar observando detalhes que ninguém costuma ver e fotografar coisas que ninguém quer ver.