O publicitário sabe aquilo que você quer. O marketeiro é aquele que lhe instala diferentes desejos.
O curioso é que aquilo que você quer não é nem mesmo aquilo que de fato você quer. O que quero dizer com isso? Aquilo que queremos, em grande medida, é aquilo que foi instalado em nós pela própria publicidade, sendo assim, o seu desejo é o desejo do outro.
Não é difícil entender, mas é muito complicado ter isso em mente quando o mantra publicitário envolve dizer que o marketing facilita o acesso do indivíduo a seu desejo.
Segundo Kotler, em seu livro Administração de Marketing, a função do marketing é influenciar o desejo do consumidor. O consumidor, por sua vez, é um indivíduo que tem necessidades (como hidratar o próprio corpo) e precisa satisfazê-las de alguma forma (e quando encontra um objeto específico para satisfazê-la, esta necessidade se torna um desejo).
Desta forma, a necessidade de se alimentar produz o desejo de comer um filé acebolado. O máximo que o marketing faz, segundo Kotler, é influenciar o desejo, mas nunca a decisão final, que é feita pelo consumidor. O argumento parte do princípio de que o indivíduo é o senhor de suas decisões, restando ao marketing a tarefa de dispôr os objetos para satisfação dos desejos. O indivíduo, sendo assim, é o juiz último de suas ações.
O problema é que o mito do indivíduo já foi quebrado. Para além, a separação natureza X cultura que a teoria da necessidade de Kotler prescreve também já foi superada. Isso porque a necessidade (que seria parte natural do humano) nunca aparece puro, sem um desejo (que seria a parte cultural). Ou seja, a necessidade não existe, só existe o desejo.
Isso porque qualquer necessidade já se expressa a partir da cultura como desejo. A necessidade em sua forma pura só existe entre sujeito fora da cultura – o que é impossível, uma contradição em termos. Portanto, corrigindo a afirmação de Kotler, não há uma necessidade que se torna desejo quando direcionada a um objeto específico: o desejo é fundante e a necessidade não existe.
A partir desta afirmação, conseguiremos seguir em frente com a análise do publicitário como psicólogo, terapeuta e orientador.
Como?
Se a necessidade não existe, mas existe o desejo, então o marketing atua no processo de escolha desde a sua emergência. O marketing não influencia a escola do objeto para a satisfação do desejo e, por fim, de uma necessidade: o que ele faz é disponibilizar um objeto de desejo que tem como pressuposto a satisfação de uma falta (falta essa causadora do desejo).
Essa falta precisa ser construída, modelada, fabricada e, por fim, instalada no sujeito. Isso significa que o desejo de beber Coca-Cola não está um passo depois da necessidade de se hidratar, mas está no início do trajeto do consumo: a Coca-Cola é apresentada como objeto de satisfação do desejo de beber uma Coca-Cola, porque é o próprio refrigerante que causa a sua falta e, portanto, seu desejo.
A sede, desta forma, nunca é uma sede genérica. É uma sede de Coca-Cola que, na falta de tal objeto, pode ser satisfeita por outros que lhe substituem parcialmente.
O marketing como fabricante de objetos de desejo
Agora, percebe-se o papel do marketing: fabricar objetos de desejo para o indivíduo. Mas não é o indivíduo que toma a decisão final?
Felizmente, com um pouco de acurácia, você percebe que este argumento já foi desmontado. O indivíduo, segundo Kotler, tomaria a decisão da satisfação de seu desejo, tendo como a necessidade algo impossível de controlar, afinal, não se controla a fome ou a sede. Mas quando eliminamos a necessidade, sobrou o desejo, com caráter fundante do sujeito.
Sendo assim, o indivíduo que tem a decisão última sobre seu consumo não existe, já que seu desejo existe em sociedade. Se seu desejo existe em sociedade, se emerge a partir dos objetos feitos em sociedade, se sua aceitação se dá a partir da veiculação publicitária, então ele próprio é exterior ao indivíduo. O objeto faltante do desejo, pois então, é internalizado.
O papel do marketing não envolve a satisfação de desejos humanos respeitando as decisões individuais: o marketing fabrica objetos de desejo para preencher a falta que o próprio marketing causa. O marketing cria narrativas para os objetos faltantes que as empresas produzem, ao mesmo tempo, constrói uma ontologia própria para satisfazer sua função: o indivíduo como portador de necessidades naturais e desejos sociais é a justificativa perfeita para o exercício do marketing.
Talvez a melhor maneira de entender o poder hostil do marketing seja tendo em mente que sua ontologia é fraca, não se sustenta após qualquer tipo de análise. Kotler, o rei dos marketeiros, não passa de um palhaço na sociedade do espetáculo, fazendo pequenos truques e narrando divertidas e cômicas aventuras que os heróis publicitários deverão percorrer.