… sempre vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo que eu chamo de violência simbólica, violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento. Essa relação social extraordinariamente ordinária oferece também uma ocasião única de apreender a lógica da dominação.. – P. BOURDIEU
Obs: esse texto parte da obra “A dominação masculina” (ed. BestBolso, 2014) do sociólogo Pierre Bourdieu. Dominação masculina é um termo usado por Bourdieu dentro de seu campo sociológico, se preferir, também podemos usar o termo que nos é mais comum, o machismo, mas tenhamos em mente que a troca de termos não é meramente vocabular, há diferenças conceituais que não serão abordadas nesse texto. Irei usar o termo usado pelo autor, o que é preferível, pois a realidade social é muito mais complexa do que costumamos encerrar em “ismos”.
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Bourdieu parte de uma pesquisa etnográfica, das décadas de 50 e 60, sobre a sociedade Cabila. Formada por um povo nômade do norte da África, essa sociedade tem o princípio androcêntrico como ordenador, o que quer dizer que masculino e feminino são opostos e assimétricos, o masculino é visto como hierarquicamente superior e construído contra e em relação ao feminino.
Essa escolha não é por acaso. Apesar de exótica aos nossos olhos, a tradição androcêntrica dos Cabila sobrevive até hoje nas sociedades globalizadas. É verdade, tendemos a negar se falamos que o princípio androcêntrico rege nossas relações, também é verdade que muita coisa mudou, no entanto, apesar de contestado, esse princípio está impregnado nas estruturas sociais, refletindo consciente e inconscientemente nas nossas relações.
É por aqui então que essa obra se torna fundamental, pois Bourdieu, de maneira muito sofisticada, vai mostrando, a partir de conceitos que lhe são muito importantes, como habitus e violência simbólica, o quanto a dominação masculina está incrustada em nossos modos de pensar, comportar, sentir, falar etc., fazendo com que a reprodução da ordem social seja mantida e legitimada.
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A maior parte das relações de dominação nós não percebemos. O estado, as instituições, a sociedade legitimam e naturalizam a domesticação e a disciplinação da vida. No caso de algo que nos é visível, por exemplo, o salário da mulher e do homem para as mesmas atividades, evidencia-se a disparidade e percebemos que há uma relação de dominação aí… claro, nem sempre o evidente, o óbvio, o visível nas relações díspares entre homens e mulheres significa que perceberemos as relações de dominação, no entanto, esse exemplo é só para chamar atenção que quando trazemos para o nível do simbólico (para o nível da linguagem) as relações de dominação costumam ser ainda mais ocultas.
A violência simbólica é imperceptível e dissimulada, perpassando todos, é produto de um processo pelo qual a classe dominante economicamente vai impondo sua cultura aos dominados. Nesse sentido, e aqui não implica somente a questão econômica, percebemos que a dominação masculina é extremamente complexa, pois é reproduzida socialmente, sobretudo, por uma violência simbólica incrustada no nível da linguagem e do pensamento.
Bourdieu amplia magistralmente o campo da dominação masculina. A dominação masculina, que antes se concentrava mais no ambiente doméstico, é definida em todas as formas de dominação. Homens e mulheres incorporam “sob a forma de esquemas inconscientes de percepção e de apreciação as estruturas históricas da ordem masculina” (Bourdieu).
Saindo do lar doméstico, encontramos o androcêntrico atravessando, também, a formação do pensamento, nas ciências e na filosofia. A divisão entre os sexos parece estar na ordem social e das coisas, nesse sentido a dominação masculina é tão sofisticada que dispensa justificativas, é como se essa visão de mundo fosse neutra e não tivesse necessidade de explicar-se.