Literatura

O que Beckett pode nos ensinar sobre o fracasso

Adriel Dutra
Escrito por Adriel Dutra

Beckett traz o fracasso e a miséria, presentes em qualquer um de nós, por mais que nos travestimos por trás de uma aparente razão e clareza das coisas, para nos ensinar a rir diante da comédia da vida social moderna, não resistir à tragédia, mas a conviver com ela e até mesmo rir, rir pois é necessário desconfiar dos discursos bem acabados de nossos egos que fazem malabarismos com a linguagem, enlatando-a em comunicação para esconder o fracasso e fazer do valor da vida uma questão de sucesso.

Beckett e o fracasso, podemos aprender algo. Uma atmosfera cinzenta, angustiante, espantosa, absurda – como as vidas quando desfeitas das armaduras de ego – são alguns adjetivos possíveis às ressonâncias que a leitura beckettiana nos causa.

Contra os enredos fáceis e prontos, com finais agradáveis e sonhados, Beckett nos incomoda com personagens solipsistas, céticos, individualistas, ocupando-se da miséria e solidão em vidas fracassadas porque humanamente possíveis.

Em tempos movidos por sonhos empreendedores e comunicativos, onde a linguagem se torna cada vez mais mercadológica e enaltecida por concisão, lógica e clareza, Beckett nos coloca em contato com vidas humanas – as nossas vidas – marcadas pelo caráter insuficiente e imperfeito da linguagem.

Não dá para descolar Beckett do século XX, pois é contra a modernidade que tenta nos passar a ideia de um mundo apaziguador e ordenado, que os personagens beckettiano se insurgem. É contra a ideologia do sucesso, não para enaltecer o fracasso, mas para não nos perder de nós mesmos, figuras falíveis que na maioria das vezes somos.

Por trás da comunicação que maqueamos um ego socializável há um ser de linguagem que titubeia nas incertezas. Por trás da nossa socialização doméstica há o fracasso que nos abraça de muitas maneiras. Nos silêncios, na solidão, na doença, na deficiência física, na linguagem que não dá conta… Percebemos na própria narrativa beckettiana a recusa em participar de uma linguagem bem acabada e clara – o tão movimentado mercado comunicativo! Sua escrita é angustiante, fragmentária e sem pontos de início e chegada, justamente porque marcada pelas tonalidades da vida que se recusa à domesticação da felicidade como condição exemplar que a modernidade nos oferece. Se dizemos que é difícil ler Beckett é porque é difícil, antes de tudo, para nós, os corredores modernos do sucesso, saber lidar com o silêncio, a paciência e o não acabado, enfim, saber lidar com o fracasso.

Beckett traz o fracasso e a miséria, presentes em qualquer um de nós, por mais que nos travestimos por trás de uma aparente razão e clareza das coisas, para nos ensinar a rir diante da comédia da vida social moderna, não resistir à tragédia, mas a conviver com ela e até mesmo rir, rir pois é necessário desconfiar dos discursos bem acabados de nossos egos que fazem malabarismos com a linguagem, enlatando-a em comunicação para esconder o fracasso e fazer do valor da vida uma questão de sucesso.

Precisamos de Beckett.

Sobre o autor

Adriel Dutra

Adriel Dutra

Antes de tudo é formado pelos amores e desamores que vive, pelos livros, músicas e arte marginais, mas também psicólogo, filósofo, escritor de trechos errantes. Tem como hobbie ficar observando detalhes que ninguém costuma ver e fotografar coisas que ninguém quer ver.