Sociopolíticos

A dominação masculina em Pierre Bourdieu

A ordem social é uma grande máquina de reprodução da dominação masculina, é verdade que ela usa da divisão dos sexos como justificativa natural das diferenças construídas entre os gêneros, mas vai além, fazendo a dominação perpassar, ao mesmo tempo, as relações objetivas no mundo, e as relações subjetivas, inscritas em nós, nos nossos corpos e pensamentos, subsidiando esquemas de percepções em que as mulheres quase sempre são colocadas sob o negativo.

As instituições e as coerções objetivas não deixam de existir e se manifestar através da igreja, do estado, da família e outras macroestruturas, mas quando isso tem como principal meio os próprios agentes sociais, a linguagem e o pensamento, ora, a coerção e a legitimação da dominação através da violência simbólica se tornam muito mais arrasadoras.

Extrapolamos a figura do cara machista restrito em seu ambiente doméstico (hoje em dia também dissimulado sob o nome de macho alpha) e percebemos que o “machismo” está em cada um de nós, literalmente, em nossos “corações”, sustentando pensamentos, percepções e comportamentos androcêntricos.

Podemos dizer que a dominação masculina incrusta, também, através do reconhecimento dos dominados (como qualquer relação de poder). Todos contribuindo para naturalizar e legitimar a dominação do masculino sobre o feminino, como se fosse a-histórico, sob as formas de esquemas androcêntricos imperceptíveis. Lembremo-nos do fascismo em nós! (ver Introdução à vida não fascista)

Não se trata de polarizar a questão como comumente se tem feito, não se trata de acusar os homens nem as mulheres, o que não significa desmerecer o feminismo e muito menos relevar a questão, o que Bourdieu nos chama atenção é o quanto a dominação masculina não pode ser restrita meramente à dimensão de culpabilização dos homens.

Algumas análises feministas não percebem essa complexidade da dominação masculina e acusam as mulheres de serem submissas para com os dominantes, colocando-as enquanto responsáveis por se colocar como dominadas. A questão não é bem assim. Bourdieu aponta que essa tendência de culpar as mulheres também pode ser efeito das estruturas de dominação, os habitus masculinos e femininos são resultados de um profundo (micro e macroscópico) trabalho de inculcação e incorporação nos corpos e nas mentes que não é modificado apenas com uma simples “tomada de consciência”. Além da vontade individual nós não podemos nos esquecer das forças simbólicas que estão atuando.

Incorporados sob a forma de habitus, isto é, enquanto esquemas inconscientes de percepção que orientam nossos modos de agir e nossas categorias cognitivas, tanto homens como mulheres reproduzem comportamentos e pensamentos que são adequados ou não para cada um dos gêneros, como consequências de um poder que vai se reproduzindo simbolicamente.

Bourdieu não desconsidera a discussão de gênero, reconhece a importância do feminismo que ajudou a colocar a dominação masculina em evidência política e reconhece as análises da opressão material sobre as mulheres – é inegável o quanto a violência física, discriminatória e material sobre as mulheres existe e se evidencia dia após dia em nossa sociedade. No entanto, é magistral como Bourdieu, através de sua perspectiva, nos faz avançar na compreensão e perceber o quanto a questão é mais complexa do que parece, dada que a opressão simbólica é, na maioria das vezes, reconhecida e legitimada como algo natural, fazendo-se como inevitável e imutável, ocultando um incessante trabalho de reprodução coletiva, na maioria das vezes invisível e sutil, de consagração do masculino sobre o feminino.

ALGUNS EXEMPLOS

Os exemplos que Bourdieu nos dá para mostrar como a violência simbólica da dominação masculina vai se expressando sutilmente são inúmeros. É impossível, em algum momento, não perceber – em nós mesmos! – o quanto somos reprodutores do poder masculino, sutilezas estas que não percebemos se ficarmos somente na discussão de gênero.

Sobre o autor

Adriel Dutra

Adriel Dutra

Antes de tudo é formado pelos amores e desamores que vive, pelos livros, músicas e arte marginais, mas também psicólogo, filósofo, escritor de trechos errantes. Tem como hobbie ficar observando detalhes que ninguém costuma ver e fotografar coisas que ninguém quer ver.